A alienação do consumo.

Em continuação ao nosso estudo sobre as nuances da alienação moderna, abaixo outra vertente.

I – Consumo e produção.

Continuando nossos ensaios sobre o processo de alienação e suas nuances modernas, temos como vertente o consumo alienado, condição antiga, todavia ainda mais evidente e escamoteada nos dias de hoje. Consumir significa utilizar, gastar, dar fim a algo, para alcançar determinado objetivo. No modo de produção capitalista o ser humano necessita de objetos exteriores para sua sobrevivência e realização. Assim sendo, os homens produzem, em sociedade, os objetos para seu consumo. A produção e o consumo de mercadorias e serviços são a força motriz deste sistema produtivo. Neste passo, é de se concluir que quando se produz algo, necessariamente é preciso que alguém consuma essa produção. Neste compasso, a propaganda é um elemento fundamental das sociedades capitalistas, uma vez que é através dela que se cria nas pessoas a necessidade de se consumir determinadas coisas. E o consumo destas coisas cria a necessidade de uma nova produção. Essa dupla criação de necessidades (a produção gerando o consumo, e o consumo gerando a produção) é a reprodução do sistema produtor de mercadorias, o sistema capitalista de produção.

II – A alienação.

Pois bem, correto seria entender que os homens se formam interagindo com o mundo objetivo, o que faz o ato de consumir uma forma de participação em um patrimônio construído pela sociedade. Assim, além de atender às necessidades individuais, o consumo deveria expressar também e principalmente a forma pela qual o indivíduo estaria integrado à sociedade. Entretanto, não é o que ocorre. Observamos nas sociedades contemporâneas a exclusão da maior parte das pessoas do consumo efetivo do patrimônio produzido. Não bastasse, temos que o circuito produção-consumo não visa atender prioritariamente às necessidades individuais, mas sim às necessidades de expansão do próprio sistema produtor de mercadorias, o sistema capitalista, na sua busca permanente de lucratividade, o que necessariamente acarretou na mercantilização de todas as coisas. A Folha de São Paulo há tempos divulgou trecho de um relatório de um grande laboratório internacional, destinado a seus acionistas, justificando os lucros baixos naquele ano, notícia que bem exprime a lógica do sistema que aqui queremos demonstrar. Dizia o relatório:

“O inverno foi muito fraco e, com o tempo bom, não tivemos a incidência de pneumonia nem complicações respiratórias. Os casos de gripe foram muito aquém de nossas previsões e os gastos com anúncios sobre nossos produtos, excessivos. Assim, pedimos a compreensão dos nossos acionistas para os baixos lucros, que não foram decorrentes da falta de esforço de nossos executivos. (...) Contudo, as perspectivas de melhoria são excelentes. Todas as previsões meteorológicas indicam que vamos ter um rigoroso inverno, com novos vírus gripais, não sendo descartada a hipótese de incidência de epidemias. Assim, o volume de consumo dos nossos medicamentos vai ser muito grande e explosivo, compensando o fraco desempenho deste ano ”.

Esses dois aspectos (a exclusão da maior parte das pessoas da possibilidade de consumir e a permanente busca por lucratividade) estão entrelaçados a tal ponto que o filósofo francês Jean Baudrillard considera que a lógica do consumo se baseia exatamente na impossibilidade de que todos consumam. Para ele o consumo funciona como uma forma de afirmar a diferença entre os indivíduos. Um exemplo simples é o fato de que alguém possuir um automóvel de luxo só tem sentido se poucos indivíduos o puderem possuir. O objeto adquirido funciona, assim, como um signo da diferença de status. Em suas próprias palavras, o prazer de mudar de vestuário, de objetos, de carro, vem sancionar psicologicamente constrangimentos de diferenciação social e de prestígio . A propaganda trata exatamente de assegurar essa distinção ao associar marcas e grifes a comportamentos e padrões inacessíveis à maioria da população e, mais que isso, impossíveis de serem alcançados em escala mundial, devido ao impacto ambiental que isso significaria. Esse consumo alienado é movido pelo desejo do consumidor sentir-se uma exceção em meio à multidão. É como se a posse de um objeto satisfizesse a perda da própria identidade.

III – O consumidor alienado.

A sacada do marketing e da propaganda (que possuem inclusive curso superior) é justamente essa, oferecer produtos que se sucedem numa rapidez hecatombe, como substitutos para essa insatisfação que o indivíduo sente em relação a si próprio. Isso se traduz na busca ansiosa e ambiciosa de adquirir aquilo que se deseja, ignorando-se a possibilidade de se desejar aquilo que já se adquiriu. Em outras palavras, o consumidor alienado age como se a felicidade consistisse, apenas e tão somente, numa questão de poder sobre as coisas, ignorando o prazer obtido com aquilo que verdadeiramente goste. Como afirmou Horkheimer, quanto mais intensa é a preocupação do indivíduo com o poder sobre as coisas, mais as coisas o dominarão, mais lhe faltarão os traços individuais genuínos . No consumo alienado não existe uma relação direta e real entre o consumidor e o verdadeiro prazer da coisa adquirida. O consumidor adquire rótulos e grifes. Escova os dentes com o ‘sabor refrescante’ do creme dental. Fuma movido pelos prazeres sugeridos pela propaganda. Toma banho com o sabonete das ‘estrelas do cinema’. Dorme no ‘colchão dos sonhos’. Induzido pela propaganda, o consumidor alienado deixa de ser um meio para o prazer pessoal e se transforma num fim em si mesmo. Torna-se um ator obsessivo alimentado pelo apetite de novidade e distinção social. Projeta o ter para substituir o vazio do ser. Evidentemente, a neofilia desenfreada corresponde exatamente aos interesses dos grandes produtores econômicos, eis que, produzir objetos que logo se tornam obsoletos é um princípio fundamental e basilar da indústria capitalista. Exemplo clássico são os automóveis criados na antiga União Soviética – que até hoje rodam as ruas – e os demais – que se deterioram rapidamente. Escapar a essa armadilha do consumo alienado não é um problema a ser resolvido apenas pela consciência e pela vontade individuais. É uma ampla tarefa que envolve a transformação dos valores dominantes em toda a sociedade.

5 comentários:

  1. Nos "Manuscritos econômicos e filosóficos", Marx diz que, no sistema de propriedade privadas, "cada novo produto é uma nova potencialidade de mútua fraude e roubo. O homem torna-se cada vez mais pobre como homem; ele tem necessidade crescente de dinheiro para poder apossar-se do ser hostil. O poder de seu dinheiro diminui na razão direta do aumento do volume da produção, i. e, sua necessidade cresce com o poder crescente do dinheiro".

    "Sua necessidade cresce com o poder crescente do dinheiro"...Quanto mais se tem, mais se quer.

    É um traço do sistema, de modo que, justamente por isso, mais do que a transformação dos valores dominantes na sociedade, como diz o texto, é preciso a mudança da própria sociedade, em seus fundamentos. A saída deve ser radical (de raiz), vale dizer, revolucionária.

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  2. Muito obrigada,você me ajudou muito em trabalho escolar.

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  3. Muito bom, irá me servir bastante esse texto.
    Obrigada!

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  4. muito bom ^^ me ajudou no trabalho escolar!! obrigado

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  5. Não se colocam pontos finais em títulos e subtítulos.

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