Sobre alimentos e multinacionais

Graças à eleição do brasileiro José Graziano para o comando da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), tive a oportunidade de descobrir que este organismo, nos anos 60, concluiu que todos os países do hemisfério sul (subdesenvolvidos) possuíam superávit de mais de sete bilhões de dólares em produção interna de alimentos nesta época.

Em outras palavras, a receita da produção doméstica de alimentos na década de 60 excedia as despesas da cadeia produtiva, de modo que o preço e a oferta de alimentos permaneciam demasiadamente acessíveis e abundantes à população.

Dado bastante curioso, sobretudo porque os alimentos, atualmente, são os que mais fomentam a inflação nos países subdesenvolvidos, pela permanente e gradativa alta nos preços. E assim o é no Brasil.

Mas como explicar a radical mudança neste panorama? Aqui vai mais uma teoria conspiratória.

Nos idos de 1960, época da conclusão da FAO ora em destaque, não existia nenhuma empresa ou multinacional que possuísse sequer 2% do mercado atuante. No setor alimentício, desde a distribuição de sementes até aos supermercados varejistas, não havia monopólio, cartel ou qualquer tipo de reserva de mercado.

Atualmente, pelo contrário, verifica-se maciça concentração corporativa em toda e qualquer a cadeia produtiva – e no setor alimentício, ora em comento, desde o setor de distribuição de sementes, onde hodiernamente quatro grandes corporações dominam cerca de 80% do mercado mundial (Cargill, ADM, Bunge e Louis Dreyfus), até a rede de supermercados varejistas (no Brasil, vide as recentíssimas notícias sobre o superincremento do Pão de Açúcar e Carrefour).

Pois bem, uma conclusão possível é que essa concentração corporativa, por controlar toda a cadeia produtiva do setor alimentício, em escala mundial inclusive, possui o poder de escolher os compradores da produção, sendo obviamente aqueles países que mais paguem no momento da transação. Uma equação bastante lógica: vende-se àqueles que mais paguem.

Desse modo, os preços dos alimentos tornam-se imprevisíveis e instáveis ante o excesso de demanda internacional. Afinal, alimento é produto de consumo inadiável, e faz com que países desenvolvidos cometam extravagâncias para abastecer (ou não desabastecer) seus mercados internos, em uma irracional concorrência, de modo a fomentar uma crise de abastecimento.

Assim, como o controle da produção agrícola está, a nível mundial, sob a égide de corporações multinacionais que só se preocupam com o lucro e nada mais, a comercialização da produção de alimentos se dá àqueles que mais paguem no momento da transação, e não àqueles que realmente necessitem, de modo que o preço dos alimentos torna-se permanente e gradativamente próspero, puxando a inflação nos países subdesenvolvidos.

Eis o estratagema engendrado pelas transnacionais para abduzir o superávit de outrora dos países do hemisfério sul. E, em assim sendo, a concentração corporativa afigura-se flagrantemente nefasta, embora em sintonia com o sistema econômico atual e mundial, já que a longo prazo promove gradativa alta nos preços dos alimentos, retirando dos países, mormente os subdesenvolvidos, a soberania alimentar.

E não há política pública que possa controlar o preço dos alimentos quando a produção está nas mãos daqueles que só se preocupam com o lucro. Então, obviamente que não irão comercializar com quem necessite, mas sim com quem pague mais.

A concentração corporativa atual, além de alavancar a inflação, atrapalha a auto-suficiência alimentar dos países em desenvolvimento, e, ao lado de outros problemas estruturais (aumento do preço dos combustíveis fósseis; aumento do consumo de alimentos nos países em desenvolvimento; eventos climáticos adversos que causam prejuízos às colheitas; desvios de cereais para a produção de biodiesel; deterioração do solo por exploração intensiva) fomenta uma premente crise alimentar mundial, quiçá mais grave do que aquela de 2007/2008.

Tudo isso sem falar na especulação financeira nos mercados agrícolas  através das commodities, assunto que merece reflexão em artigo separado tamanha sua gravidade e importância.

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