Antonio Gramsci, nascido em Ales, aos 22 dias do mês de janeiro de 1891 e morto aos 27 dias de abril de 1937 na capital italiana, nos deixou um considerável legado doutrinário, notadamente em seus 32 cadernos escritos nos oito anos que passou no cárcere.
Não pretendo aqui desmistificar suas teorias (até porque, confesso, não li na totalidade referidos cadernos), mas sim apontar duas repercussões que seus pensamentos lançaram para a posteridade, no meio acadêmico marxista e no seio dos partidos políticos de esquerda.
Pois bem, nos meios acadêmicos, Gramsci, a partir de uma leitura original de Marx e Engels, foi o responsável pelo surgimento de uma sociologia crítica que concluiu não ter a dominação de classe necessariamente uma origem na infra-estrutura econômica, como havia previsto os autores de O Capital. Para ele, a superestrutura ideológica era o principal fator de constrangimento do proletariado. E a partir dessa premissa concebeu o conceito de ‘hegemonia’.
Consiste a hegemonia, pois, na capacidade da classe dominante de manter o poder utilizando basicamente um falso consenso nas instituições da sociedade civil (e somente em ultima instância através da coerção).
Os aparelhos responsáveis pela expansão da hegemonia (escolas, igrejas, sindicatos, imprensa, etc.) disseminam justamente o sistema de idéias e políticas defendidas pelo ‘bloco histórico dominante’, de modo que cooperam para a manutenção de uma consciência social homogênea, que mantém o status quo e cria uma falsa percepção de liberdade e democracia. Figuram como verdadeiros aparelhos ideológicos.
Ao contrário de Marx e Engels, que entendiam a sociedade civil como mero resultado da infra-estrutura, da base econômica, Gramsci a entendeu como um espaço de mediação entre a infra-estrutura e o aparelho burocrático do Estado.
Nas palavras de Joseph Fontana:
Uma das contribuições mais interessantes de Gramsci é a sua reflexão sobre os mecanismos pelos quais uma classe pode exercer a dominação sobre as outras, estabelecendo a sua hegemonia não somente pela coerção, como também mediante o consenso, transformando a sua ideologia de grupo num conjunto de verdades que se supõem válidas para todos e que as classes subalternas aceitaram[1].
Assim, para Gramsci seria a sociedade civil parte da superestrutura que conjuntamente com a infraestrutura econômica comporiam aquilo que chamou de bloco histórico, e não uma conseqüência umbilicalmente ligada à infra-estrutura econômica.
Em linhas gerais, essa é a principal cisão acadêmica que Gramsci promoveu na até então intocada obra marxista, mas não a única e nem a mais polêmica.
Outra repercussão gramsciana se deu no seio dos partidos políticos de esquerda que adotaram o centralismo democrático como forma de organização.
Para Gramsci, essa funcionalidade serviu a um contexto histórico específico, onde o Estado se fazia onipresente (ditatorial) e a sociedade civil primitiva e gelatinosa, conjuntura esta a que chamou de ‘guerra de movimento’, como na União Soviética de Lênin, donde um destacamento de vanguarda disciplinado estabelecendo princípios, procedimentos e disciplinas afigurava-se apropriado para se combater um aparelho repressivo.
Em uma conjuntura onde se pode reconhecer na ausência do Estado uma robusta estrutura da sociedade civil, como na maioria dos Estados ocidentais, referida vanguarda poderia traduzir-se em uma burocracia ante a intensa ‘guerra de posições’ nos ‘aparelhos privados de hegemonia’ da sociedade civil.
Aos partidos conspiracionistas, se quisessem figurar como agentes da vontade coletiva transformadora nessa espécie de conjuntura, melhor seria desenvolver forma de organização não pela subordinação imposta administrativamente pela maioria à minoria, mas pelo consenso tecido em torno das questões capitais para o desenvolvimento da luta política, de modo a permitir disputar a hegemonia na sociedade civil.
Assim, em tais condições (guerra de posições), o centralismo democrático restaria anacrônico, já que pensado (por Lênin?) para a guerra de movimento na qual passava a União Soviética – sendo eficaz para o que se propunha nesta conjuntura.
Historicamente, mormente em Estados onde há um vão entre a infra-estrutura e o aparelho administrativo do Poder Público, ocupado por instituições da sociedade civil, o centralismo democrático tendeu para o centralismo burocrático.
Essa tendência tornou-se mais nítida na concepção stalinista de partido. Houve o deslocamento do centro da discussão política das organizações de base para as direções. Conseqüentemente, a escolha das direções passou a ser operada por cooptação. Nesse formato, é a direção que legitima as bases e estabelece o controle sobre elas, invertendo a dinâmica democrática e forjando a vontade da organização de cima para baixo.
Note-se que não é o caso de se negar a via revolucionária, como vão acusar alguns binários (como diria o camarada Tejo), mas sim de facilitá-la.
Em breve resenha, dois legados gramscianos.
Não basta tomar o poder- há que buscar a hegemonia.
ResponderExcluirE que vida teve Nino Gramsci. Se não tivesse fenecido nas masmorras do fascismo, poderia ter produzido uma enormidade. E olha que mesmo assim produziu.