Sobre casamentos e monarquias

            O mais novo casamento da família real britânica ao menos serve a alguma coisa para aqueles que não foram convidados: refletir sobre a monarquia.

            Atualmente, é fato, a maioria das monarquias que ainda subsistem estão longe daquele absolutismo de outrora. Foram mitigadas pelo constitucionalismo, que fez dividir o poder político, de modo que aos monarcas restaram as funções de chefes de Estado.

            E como chefes de Estado servem eles basicamente como símbolos de estabilidade nacional, formadores de opinião, representantes junto à comunidade internacional e cerimonialistas (outorgando honrarias), pouco se utilizando dos minguados ranços absolutistas que ainda possuem, quiçá para evitar convulsões sociais promovidas por forças insurrecionais capazes de algum dia destroná-los.

            A rainha reina, mas não governa.

            O mais curioso e ao mesmo tempo periclitante diz respeito às finanças reais, historicamente edificada às expensas dos países colônias durante os séculos de reinado das várias dinastias e hodiernamente alimentada pelo erário público, com provisões que mais se parecem com capitais de giro para o custeio da Coroa. Pelo menos assim o é no Reino Unido, palco do mais recente festival de luxúria da família Windsor.

            Uma cerimônia suntuosa em tempos de austeridade fiscal na União Européia. Algo comparado a um investimento, dizem alguns defensores, já que o casamento gerará ao país muito mais renda do que aquela que efetivamente será gasta pelos cofres públicos. Mas com certeza muito menos do que aquela já excutida dos proletários ingleses, desde o Império Britânico.

            Pois bem, contrapondo a este regime político temos a chamada república, na qual, basicamente, o chefe de Estado, ao contrário da monarquia, é eleito pelos cidadãos, seja no presidencialismo ou no parlamentarismo. Um refrigério deixado pelos progressistas da Roma antiga, que até o presente momento não chegou ao clima temperado da Grã-Bretanha.

            À primeira vista, um paradoxo no berço da revolução industrial: um retrógrado regime político em uma nação pioneira na era da Idade Contemporânea.

            Mas não se considerarmos que a monarquia britânica possui altas doses de republicanismo em seu sangue, com os privilégios e o controle da Coroa previamente positivados na norma jurídica, de modo a limitar a soberania dos monarcas.

            Ao que parece não é um regime em decadência, já que formou e solidificou ao longo dos tempos as bases para o desenvolvimento do sistema capitalista, expandindo os investimentos e ampliando os lucros da Coroa com acordos comerciais vantajosos, como o Tratado de Methuen, celebrado junto a Portugal. E pelo que se vê, os índices de desaprovação junto à população curiosamente não são altos, o que sugere certo comodismo da sociedade – sem querer ofender os combativos companheiros que certamente existem e estão mobilizados.

            Sempre achei que os poderes reais nos Estados que adotaram a forma monárquica não passariam de mero arremedo de poder. Mas agora, de longe, vejo um regime político bem mais sincero do que as repúblicas ocidentais, na medida em que não escondem a diferença entre os cidadãos.

                Mas fato é que o casamento da linda e gostosa senhora Middleton, atrás de todo o glamour transpassado pela imprensa, esconde o sangue que encharca a Coroa do príncipe Willian, notadamente na história da libertação dos países hoje pertencentes à ‘Commonwealth’.

            Enquanto os ilustres convidados se esbaldam na abadia de Westminster observando o lindo casal de pombinhos trocarem alianças, refugiados da Tunísia, do Egito e da Líbia tentam adentrar na União Européia para participar da festa. Sugiro reservar a estes moribundos o Ducado de Lancaster, um local bastante aprazível para recomeçarem suas vidas miseráveis – uma forma de recompensá-los, já que boa parte dos recursos de seus países de origem já foram escoados pelo e para o Império Britânico.

Um comentário:

  1. Ah, você também não foi convidado? Que chato, hein?

    Na "Introdução à filosofia do direito de Hegel", Marx diz que a monarquia é zoologia. Afinal, o que diferencia o monarca de nós, homens "comuns", é o sangue. Assim, o ato mais nobre do monarca é justamente passar adiante esse sangue: a cópula. Como qualquer outro bicho.

    É grotesco, portanto, mas, caro HC, pior ainda é quando comunistas caem nesse papo de "realeza". E dá-lhe "Guias Geniais", "Grandes timoneiros" etc.

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