Poder Legislativo X Poder Judiciário

            Enquanto governos bonapartistas caem no mundo Árabe e o vento (neo)liberal do ocidente se mistura ao calor dos desertos arábicos, assim como a radiação do Japão se espalha pelo resto do mundo, o Brasil, em meio às lamúrias pela morte de José Alencar, discute medidas para limitar a ação da Justiça Eleitoral.

            É que o artigo 105 da Lei 9.504/97, mais conhecida como Código Eleitoral, delega ao Tribunal Superior Eleitoral o poder de expedir todas as instruções necessárias para regulamentar à organização e o exercício dos direitos políticos, a eleição propriamente dita. E assim é feito em todos os anos eleitorais, através de resoluções.

            Pois bem, com esse poder o TSE exigiu em 2002 que os partidos reproduzissem nos Estados as alianças nacionais, a chamada verticalização, assim como possibilitou a investigação judicial eleitoral quando da desaprovação de contas de campanha ou abuso do poder econômico pelos partidos ou candidatos. Em 2006 impossibilitou a obtenção de certidão de quitação eleitoral (documento indispensável para o registro da candidatura) aos que tivessem as contas desaprovadas. Também impediu os partidos de assumirem as dívidas de campanha não quitadas de seus candidatos. Também foi o mesmo TSE que fixou critérios para cassação de mandatos em caso de infidelidade partidária, assim como parâmetros para a propaganda eleitoral em 2010, determinando limite de quatro metros quadrados para faixas e cartazes.

            Não obstante a tese de que algumas normativas ditadas pelo TSE são eminentemente políticas – e daí a necessidade de limitar seu poder – fato é que o afloramento desta discussão se deu pela rigidez progressiva do tribunal em apreço em relação à prestação de contas da campanha eleitoral pelos candidatos e partidos políticos (dívidas de campanha), fomentando uma queda de braço entre Judiciário e Poder Legislativo.

            A Lei 12.034/09 é uma prova desta contenda institucional. Em que pese ter incorporado ao ordenamento jurídico as disposições previstas nas resoluções do TSE das últimas três eleições, eliminou justamente aquelas que enrijeciam a prestação de contas da campanha eleitoral.

            Os governistas são os que mais colocam lenha nesta discussão – nada mais coerente, já que em 2002 a verticalização foi apontada como tentativa de prejudicar a candidatura de Luis Inácio Lula da Silva. O TSE reage dizendo que as diretrizes são baseadas em consultas públicas e suprem a morosidade e a afobação do Congresso Nacional, sempre com a observância dos princípios basilares da verdade real e da transparência ditados pelos constituintes de 1988.

            Marco Aurélio Mello, sempre delgado, disse que a discussão sobre os limites para o TSE mostra que a corte faz bem o seu trabalho.

            Penso que o TSE sempre tentou moralizar a campanha eleitoral, notadamente no que pertine a prestação de contas, inobstante os excessos um tanto quanto ‘políticos’, mas fato é que o Poder Legislativo sempre flexibilizou esse tema, mormente eximindo de pena aqueles que possuem contas desaprovadas.

            Não vou aqui desenvolver qualquer exegese acerca dos contornos jurídicos das Leis 11.300/2006, 12.034/2009 e Resoluções TSE nº 22.250 e 22.715, protagonistas das candentes discussões sobre o entrevero Judiciário X Congresso, apenas quero consignar que ambos os poderes são um tanto quanto parciais no tratamento do tema.

            O TSE, por mais nobre que possa parecer seu desiderato, só possui mecanismos punitivos, utilizados para ‘depois que o boi arromba a cerca’, de modo a institucionalizar o terceiro turno, a ponto de se verificar clamor aos tribunais para que resolvam o que deveria ser submetido apenas ao crivo popular, construindo uma república dos escolhidos pela eleição indireta dos eleitores togados.

            O Poder Legislativo, por seu turno, sempre abrandou as punições com relação as contas eleitorais, em uma clara demonstração de promíscua leniência visceral, já que os legisladores são justamente os beneficiados por este abrandamento nos castigos.

Isso me faz perguntar qual seria a razão que levará o candidato a tratar sua prestação de contas com a seriedade e rigor que ela necessita se não existe nenhuma sanção àquele que possui suas contas desaprovadas.

            Mas o problema é estrutural. Tanto o Poder Judiciário quanto o Poder Legislativo não são instrumentos adequados para implementarem mudanças essenciais, já que o primeiro gera insegurança jurídica ao inovar na regulamentação do pleito em todos os anos eleitorais e o segundo está comprometido com interesses outros não raras vezes escusos.

            Por derradeiro, como mais um capítulo desta disputa, temos a Lei Complementar 135/2010, mais conhecida como Lei da Ficha Limpa, que merece ser tratada em momento oportuno.
Enquanto no Egito a sublevação destronou uma ditadura reacionária que em nada se assemelhava ao clássico nasserismo, no Brasil novos paradoxos se formam no âmbito de uma democracia por muitos chamada de burguesa, que através da coalizão agora liderada pela OTAN tenta se instalar na Líbia, via intervenção imperialista.

Um comentário:

  1. As resoluções do TSE são exemplo clássico de exercício ATÍPICO, pelo Poder Judiciário, da função legislativa.

    Penso que, justamente por ser um uso "atípico" (legítimo e constitucional, mas ainda assim atípico) deve ser visto com muito cuidado, para evitar que o Poder extrapole seus limites.

    Incomoda-me, por exemplo, o rigor excessivo que a legislação eleitoral -via TSE- tem adotado. A pretexto de moralizar, acaba penalizando os partidos menores, que não conseguem dar conta das cada vez maiores exigências.

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