Era uma ação monitória movida pela Caixa Econômica Federal contra meu cliente, que no fundo cobrava uma dívida de uns R$ 30.000,00 (trinta mil reais), não importa a que título.
Embarguei discutindo e pedindo a revisão do débito, o que enrolou, ainda está enrolando e vai enrolar muito mais o processo. A situação que aqui vou narrar aconteceu em uma audiência de conciliação.
Encontro com o cliente exatos trinta e nove minutos antes da sessão solene, já na respectiva sala de espera da Justiça Federal, um local frio e pungente como a própria Justiça Federal, localizado no quarto andar do prédio que abriga o foro.
Além de tratar sobre a estratégia a ser adotada na audição que estava por vir, o bate papo também envolveu a política econômica inventada por Fernando Henrique Cardoso e promovida por Lula, que sabe se lá como vai ser tratada no governo Dilma.
O sujeito devia para a CEF, não negava, entretanto carecia de condições especiais para arcar com o pagamento, já que não possuía renda mensal substanciosa e nenhuma reserva financeira. Mas mesmo assim estava disposto a pagar até quatrocentos reais mensais. Uma boa oferta, a meu ver. Afinal, você não aceitaria receber cerca de oitenta parcelas de R$ 400,00 de um só cliente?
Tratava-se ele de comerciante que quedou-se inadimplente junto a CEF após sofrer com os respingos da crise econômica do final de 2008 – aquela que chamam de ‘marolinha’ do Lula.
Pois é, errado aqueles que pensam que a crise não chegou no Brasil. Algumas pessoas, ainda que poucas, sentiram. A própria economia tupiniquim sentiu, ainda que mais precisamente nos gabinetes dos responsáveis pelo Copom, Bacen e Ministério da Fazenda. Sentir a crise não é sinônimo de experimentar seus efeitos.
Faltando dez minutos para começar a audiência chega o preposto da CEF, com típica cara de funcionário público encolerizado com seu cargo. Mal respondeu nossa saudação de bom dia. Resmungou algo que não compreendi, mas que supus ser um ‘não falem comigo’. Homem esguio, grisalho, de fisionomia abatida e tez acinzentada, que por detrás dos óculos de aro dourado conservava olhos verdes tão penetrantes quanto rudes. Ficou observando e escutando nossa conversa, com cara de contrariedade.
Faltando cinco minutos chega o colega advogado. Tentei com ele iniciar uma conversa amistosa, mas a tentativa logrou-se infrutífera.
Logo vi que a única maneira de conversar com a CEF era através de um cano de fuzil. Melhor ainda se na agência da Faixa de Gaza.
Pois bem, dessa vez a justiça foi pontual. Duas horas da tarde, em ponto, apregoou-se o sarau. A audiência estava instalada.
Proposta da CEF: dez mil reais de entrada e mais sessenta parcelas de setecentos reais, basicamente. Um verdadeiro tapa na cara do devedor, cuja renda familiar não ultrapassava os R$ 2.000,00 reais mensais – mas mesmo assim honroso com as demais dívidas de cartão de crédito que possuía e com meus módicos e parcelados honorários.
- Excelência, estamos tratando de família de classe média, média-baixa, que vive de aluguel e possui filhos, e que não possui nenhuma reserva financeira que não seja o FGTS, que no caso não pode ser utilizado – disse eu.
O juiz nada pode fazer. A CEF não melhorou a proposta e muito menos aceitou a contraproposta de serem pagos quatrocentos reais mensais pelo tempo que ela própria julgar interessante. Era aquilo ou nada feito. Conciliação prejudicada, por óbvio. Instrução. Perícia nos valores tidos por devidos. Processo enroscado ad eternum. Audiência terminada.
Um grande erro, a meu ver, por parte da CEF. Não aceitou a contra-proposta oferecida. O tempo que vai ficar sem receber até a decisão judicial transitar em julgado, acaso fosse um pouco mais benevolente e aceitado a contra-proposta poderia ter recebido mais da metade da dívida, oxalá ela toda. Mas como não existe caridade no mundo financeiro para com os mortais que sobrevivem da própria força do trabalho, a CEF não cumpriu com sua função social de facilitar a vida financeira.
Pretensiosamente pergunto ao bosta preposto da parte adversa:
- Por acaso a CEF ajudou o banco Panamericano?
- A CEF comprou mais uma parte da instituição – respondeu ele com ar impetuoso.
Para mim, sobretudo em tempos de crise econômica, comprar é o modo como o mercado eufemisticamente denomina os verbos ajudar, auxiliar, socorrer.
A CEF foi incapaz de melhorar a proposta que fez, para aliviar o peso da dívida do devedor em sua economia familiar mensal, mas não hesitou em comprar parte do Panamericano, que padecia de crise financeira após suspeitas de corrupção em sua gestão.
Ao invés de auxiliar aos que dela realmente necessitam, tais como nós consumidores finais, mais sensíveis às intempéries do mercado, a instituição financeira em apreço prefere investir em bancos desacreditados e utilizados para depravação econômica, nos repassando, pelo visto, a conta.
Não são eles que precisam de ajuda, somos nós, pensei. Disse a todos:
- Eis a função social da CEF: privatizar os lucros vindouros e socializar a dívida atual e futura.
Ninguém ousou responder.
Caro amigo, parabéns pelo artigo. Digno de ocupar página de destaque em algum jornal de grande circulação, aliás, fica aqui minha sugestão.
ResponderExcluirNão é para tanto, Carlos. Mas obrigado pela consideração!
ResponderExcluirparabéns pelo artigo.
ResponderExcluirPerfeito!
ResponderExcluirMuito bem doutor, encontrei este artigo pois estou buscando solução para um caso idêntico. Minha cliente fez a proposta de 10 mil mais 44 parcelas de mil reais. Nada feito.
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