Comentários sobre a dialética

Em minha opinião, me perdoe os professores da disciplina, toda a história da filosofia pode ser resumida numa luta entre duas escolas de pensamento diametralmente opostas: o idealismo e o materialismo.
            O idealismo possui a visão de que o mundo é mero reflexo das idéias, da mente, do espírito ou, mais corretamente, da idéia que existia antes do mundo físico. Eis a lógica do idealismo: se fecho os olhos, o mundo deixa de existir. Aqui estão radicadas todas as religiões, que necessariamente baseiam-se numa visão idealista do mundo.
            Hegel, um dos maiores expoentes idealistas, sintetizou que tudo o que é real é racional, e tudo o que é racional é real, o que equivale dizer que todas as coisas existentes, mesmo as piores, fazem parte de um plano racional anterior e que, portanto, possuem sentido dentro do processo histórico
A filosofia idealista seria, portanto, uma grande mistificação que pretende entender o mundo real, concreto, como manifestação de uma razão absoluta.
Nesse contexto não vejo como elogio a palavra idealista. Dizer que alguém é idealista não me soa muito bem, por mais que o senso comum sugira o contrário.
O materialismo, por seu turno, afirma precisamente o contrário: que o mundo material, que conhecemos e exploramos através da ciência, é real; que o único mundo real é material; que os pensamentos, idéias e sensações são produtos da matéria organizada de uma forma determinada (um sistema nervoso e um cérebro); que o pensamento não pode derivar suas categorias a partir de si mesmo, mas somente a partir do mundo objetivo que se nos dá a conhecer através de nossos sentidos.
Sob a ótica materialista, Hegel inverteu a relação entre o que é determinante – a realidade material – e o que é determinado – as representações e conceitos acerca desta realidade.
A dialética, aqui entendida como a arte de raciocinar com método, possui bases fincadas no materialismo, consistindo em uma técnica de pensamento e interpretação do mundo, tanto da natureza quanto da sociedade. É uma forma de análise do universo que parte do axioma de que tudo se encontra em estado de constante mudança e fluxo.
Pode ser sintetizada no seguinte aforismo de Heráclito, cuja essência é brilhante, mas na época reflexionado de forma ingênua:
            “Panta cwrei, oudei menei”
            “Tudo flui e nada permanece”
             Tenho que a dialética é uma interpretação essencialmente dinâmica dos fenômenos e processos em todos os níveis da matéria, orgânica e inorgânica.
Aristóteles, em obra que confesso não lembrar o nome, já havia escrito que a significação primária e correta da ‘natureza’ é exatamente o princípio do movimento.
            Marx e Engels, os maiores expoentes, mas não os precursores, da dialética, consideraram que o movimento era a característica mais fundamental da matéria, logo, também seria do materialismo dialético.
            Engels define a dialética como ‘a ciência das leis gerais do movimento e da evolução da natureza, da sociedade e do pensamento’.
A propósito, Engels, a meu ver, foi o maior estudioso do materialismo dialético. Tratou ele minuciosamente das três leis fundamentais da dialética, que especifica da seguinte forma: 1- lei da transformação da quantidade em qualidade e vice e versa; 2- lei da interpenetração de opostos; 3- lei da negação da negação.
Em suas próprias palavras, ‘isto não significa que a ciência deva obedecer a ordens da filosofia’, como fez a Igreja na Idade Média ou a burocracia na Rússia estalinista. Trataremos destas leis em artigo futuro.
            Enquanto a lógica formal tenta desterrar a contradição, o pensamento dialético baseia-se precisamente nela.
Pois bem, fato é que o papel pioneiro do materialismo dialético deveria ter sido reconhecido há muito tempo. Mas, lamentavelmente, foi tardio. O conhecimento prévio do método dialético teria ajudado a evitar numerosas armadilhas em que a ciência ocasionalmente é presa, mormente em resultados de suposições incorretas.
            O falecido e cultuado cientista Stephen Jay Gould escreveu que se os cientistas tivessem prestado atenção à obra de Engels, O Papel do Trabalho na Transição do Macaco ao Homem, teriam evitado uma centena de anos de equívocos. A importância deste método foi reconhecida apenas recentemente pela ciência através da teoria do caos, que enterrou várias suposições equivocadas.
            A meu ver a grande vantagem da dialética é que ela trata das coisas em seu movimento e desenvolvimento e, além disso, revela como todo desenvolvimento ocorre através de contradições. O método dialético explica como todas as pequenas mudanças podem produzir, em um ponto crítico, enormes transformações.
            Ensina-nos a olhar além do imediato, a penetrar além da aparência de estabilidade e calma e a ver as efervescentes contradições e incessantes movimentos que se situam sob a superfície. A noção de mudança constante, de que cedo ou tarde todas as coisas se transformam em seu contrário, capacita um marxista a se elevar acima da situação imediata e a ver uma conjuntura muito mais ampla.
            Exemplo clássico de como se pode utilizar o método dialético para analisar os processos mais fundamentais da sociedade está na obra O Capital, de Marx.
            Com essa publicação houve uma revolução da ciência da economia política, fato reconhecido por economistas atuais, inclusive pelos que se opõem totalmente ao ponto de vista marxista (neste sentido destaco Grenspan, em artigo publicado na Folha de São Paulo dia 07/12/2010).
O método dialético utilizado por Marx derivou de um longo e rigoroso estudo de todos os aspectos do processo econômico. Não propôs ele um esquema arbitrário e, depois, tentou encaixar os fatos dentro dele, pelo contrário, esclareceu as leis do movimento da produção capitalista, através de uma cuidadosa análise do próprio fenômeno.
A propósito, Lênin, quando disse que era impossível compreender ‘O Capital’ sem a leitura prévia de toda ‘A Lógica’ de Hegel, queria ressaltar a meu ver o fato de que a obra de Marx era apenas e tão somente uma lição de como não se deveria aplicar a lógica hegeliana.
Assim, após o aborto mais gigantesco de toda a história da filosofia, qual seja, o idealismo hegeliano, com a ajuda dos críticos da filosofia de Hegel, dentre eles Feuerbach, Schopenhauer, Kierkegaard e, sobretudo, Marx e Engels, houve um recrudescimento da arte de raciocinar com método, surgindo a figura do materialismo dialético.

2 comentários:

  1. É aquela história: Hegel é bom, mas é preciso botá-lo de cabeça pra baixo. Devemos ir "da terra ao céu e não céu à terra", como é dito no Ideologia Alemã.

    Já vi pessoas falando que a dialética é uma criação humana (!), e que extinguindo-se o homem extingue-se a dialética (!!). Não percebem que a dialética é a própria natureza.

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  2. Olá amigo Cojarp,

    Blog gostoso de ler!

    abs,
    Camila

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