Luta de classes?

A Folha de São Paulo de 26 de novembro de 2010, em seu caderno principal (folha A8), noticiou algo escabrosamente interessante e não menos preocupante, que ao que parece passou desapercebido pelos demais veículos de comunicação, quiçá de maneira proposital.
A Interfarma[1], uma associação que representa em território nacional os interesses dos principais laboratórios farmacêuticos multinacionais, repassou a dezoito candidatos, a seguir denominados, cerca de 1,8 milhões para suas candidaturas à Câmara dos Deputados e Senado Federal nas eleições deste ano. Doze aspirantes a cargos públicos agraciados com as filantrópicas doações foram eleitos.
Dentre os eleitos estão Osmar Terra (PMDB/RS), Saraiva Felipe (PMDB/MG), Cândido Vaccarezza (PT/SP), Darcísio Perondi (PMDB/RS), Janete Pietá (PT/SP), Manuela D´Avila (PCdoB/RJ) Nelson Marquezelli (PTB/SP), Moreira Mendes (PPS/RO), Renato Molling (PP/RS), Bruno Araújo (PSDB/PE), Guilherme Campos (DEM/SP) e Onyx Lorenzoni (DEM/RS), todos eleitos deputados federais, e o também eleito senador Aloysio Nunes (PSDB/SP). Os que receberam as doações mas não se elegeram foram Eleuses Paiva (DEM/SP), Colbert Martins (PMDB/BA), Walter Feldman (PSDB/SP), Ronaldo Dimas Nogueira (PR/TO), Adelmir Santana (DEM/DF) e Sérgio Nechar (PP/SP). Uns receberam R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais), outros R$ 150.000,00 (cento e cinqüenta mil reais).
A Interfarma agrega mais de 30 laboratórios instalados no país que movimentam, segundo a própria associação, faturamento de cerca de 18,5 bilhões de reais (mais da metade do faturamento do setor).
Por primeiro, temos o pormenor da Lei Eleitoral proibir doações de entidades de classe, sindicato ou qualquer pessoa jurídica sem fins lucrativos que receba recursos do exterior a candidatos a cargos públicos.
No caso em tela, o pulo do gato está na doação por parte de uma associação que, por sua natureza, impede que seja estabelecida ligação entre o financiador de fato e o candidato beneficiado, de modo que não se enquadre no conceito de entidade de classe ou sindicato, burlando as regras da legislação eleitoral. Ademais, o Conselho Diretor desta associação é formado por executivos de empresas farmacêuticas transnacionais, assim, imaturo seria pensar que não há agrado$ advindos do exterior.
Na teoria, trata-se uma entidade que defende os interesses de um grupo específico, qual seja, a indústria farmacêutica transnacional, portanto é uma entidade de classe, e se não bastasse, financiada em parte por recursos advindos do exterior, entretanto, na prática, está desobrigada de cumprir a legislação eleitoral, eis que não é claro sua caracterização como tal (entendimento adotado pelo Tribunal Regional Eleitoral, ao manter o mandato do atual prefeito da capital de São Paulo, Gilberto Kassab, que recebeu doações da Associação Imobiliária Brasileira, no pleito de 2008).
Por segundo, temos os obscuros interesses por detrás da moderna e camuflada luta de classes. Como entidade de classe que é, está diretamente interessada, por exemplo, nas decisões a respeito das patentes (e sua quebra pelo governo), autorizações pela Anvisa de comercialização de novos medicamentos (nem sempre confiáveis) e acerca do selo antifraude que o governo quer implantar (criticam-no por aumentar os custos).
É cediço que a luta de classes envolve a disputa por interesses dos mais variados aspectos. Aqui não é diferente, a luta é por lobby, através dos bonifrates honrados com a mixuruquice doada pela indústria farmacêutica, e que agora ingressam no parlamento.
Pos bem, corolário deste lobby político é a alta quantidade de remédios cuja comercialização é autorizada em terras brasileiras, mas proibida no resto do mundo. É a falta de coragem do governo para quebrar patentes de remédios tidos como essenciais pela medicina, para combate de doenças sensíveis, tais como a AIDS e a gripe H1N1. É o tráfico de influência na Anvisa, órgão que em tese deveria defender os interesses dos cidadãos. É a abertura das porteiras para a comercialização e uso irracional de medicamentos cuja eficácia é duvidosa.
As indústrias farmacêuticas, utilizando-se de brechas na legislação eleitoral, financiam candidatos para que eles defendam, acaso eleitos, nos mandatos, seus interesses, em detrimento dos interesses da parte mais fraca nesta correlação de forças, os iludidos e incautos eleitores.
E não adianta os eleitos negarem a ausência de influência dos financiadores de suas campanhas em seus mandatos. Sempre existe uma prestação de contas. Excetuando aquele trocado que se dá para o moribundo maltrapilho que padece na rua, à luz da lua, não há filantropismo em qualquer doação que seja, ainda mais quando esta ultrapassa a cifra dos mil reais.


[1] Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa.

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