Sobre o paraíso especulativo chamado Brasil e a dívida pública.



O Copom (Comitê de Política Monetária) aumentou para 10,25% a taxa de juros com a justificativa de contenção da inflação. E o Ministério da Fazenda já cogita aumento da taxa de juros para 12%[1].
Esse recente aumento já consolida o Brasil como o paraíso dos capitais especulativos, mesmo sem desenvolver por completo seu potencial do que os economicistas chamam de derivativos[2].
Os movimentos especulativos, por sua vez, tornam-se cada vez mais intensos com o surgimento dos mercados de capitais e a crescente centralização do capital monetário, passando a integrar a dinâmica normal de expansão do capital. Ao mesmo tempo, estes movimentos monetários, através da multiplicação de ações, títulos e papéis sem correspondência com a magnitude real dos capitais em funcionamento que supostamente representam, geram o que Marx chamou de capital fictício, que não representa um valor ou riqueza real[3].
Segundo Alejandro Iturbe, um movimento especulativo pode aumentar o preço de determinada ação, ou inclusive de todas as ações simultaneamente. Mas esta alta só será mantida caso expresse a criação de novos valores na produção, e o limite real da expansão do capital continua sendo a extração de mais valia ou trabalho excedente[4].
Pois bem, o aumento da taxa de juros pelo COPOM, segundo a sistemática especulativa acima, dispara a níveis hecatombes a dívida pública do país. Mantém-se a atração do capital financeiro internacional, entretanto produz conseqüências internas desastrosas, como a escassez de recursos para áreas sociais sensíveis.
Neste sentido foi o relatório final da CPI da dívida pública, reconhecendo como fator mais importante para o crescimento da dívida as altas taxas de juros. Referida CPI teve um resultado tão obvio que nos remete ao comentado conceito marxista de capital fictício, exigindo uma urgente auditoria real da dívida pública.
O relatório da mencionada CPI apontou acordos e contratos extremamente lesivos aos cofres e interesses nacionais, desde o boom da dívida externa até sua transformação, depois do Plano Real, em dívida interna; ilegalidades consistentes na aplicação de juros flutuantes nos contratos da dívida externa com bancos privados internacionais na década de 70; aplicação da capitalização mensal e recompras antecipadas de títulos da dívida externa por meio do pagamento de ágio de até 50% do valor de face do título e da emissão de títulos da dívida interna, mais onerosa para o país[5]. Enfim, utilizou-se o Estado brasileiro de um estratagema que estimula a especulação financeira[6], que além dos endógenos efeitos nefastos, condenaram no ano passado 36% do orçamento do país – destinados para juros, amortizações e rolagem da dívida pública – conquanto que menos de 3% foram destinados para a educação e menos de 5% para a saúde.
Não precisa ser clarividente ou ter uma bola de cristal para prever uma premente, quiçá aguda, queima de capitais, o que acarretará queda na taxa de lucro e até retrocessos econômicos, em um futuro próximo.
Crises originadas no denominado superincremento da composição orgânica do capital[7], são obviamente mais profundas e mais fortes que as crises cíclicas normais do capitalismo, porquanto a existência do capital especulativo acentua a tendência à queda da taxa de lucro.
Como em toda crise, haverá uma grande queima de capitais – na crise em comento em um volume muito maior – e, portanto, as quedas na taxa de lucro serão maiores e mais abruptas.
Fato que obrigará o sistema produtor de mercadorias a acentuar gradativamente os mecanismos de extração direta e indireta da mais valia em seu próprio mercado, e os países imperialistas, no mercado estrangeiro.
Foi o que ocorreu em 1923-1929 e entre finais de 2002 e meados de 2007, o aumento do capital especulativo e a criação de capital fictício impulsionaram a economia, através da expansão do crédito e do reforço da demanda. Entretanto, em um prazo mais longo, a taxa de lucro tende a cair de modo inevitável, como começou a ocorrer em 1929 e desde a segunda metade de 2007.
É de se notar que se camufla o impacto da dívida pública para os brasileiros (o verdadeiro nó da política econômica brasileira), eis que sequer a CPI conseguiu desmistificar por completo a destinação dos recursos do orçamento para o pagamento da dívida pública. Ainda, não se divulga o inoficioso efeito do super incremento do capital especulativo na economia brasileira, incentivado por políticas estatais com relação à própria dívida pública, brincadeira com fogo que fatalmente acabará queimando alguém, conforme nos ensina a história.


[1] Conforme noticiado no jornal impresso Folha de São Paulo, página denominada Mercado (B1), do dia 12/07/10.
[2] Alejandro Iturbe diz que os derivativos estão no campo da mais moderna especulação, eu abarca um número crescente de operações financeiras. Como os papéis que as representam chamam os ‘derivativos’, porque se baseiam numa ‘operação original’ ou ‘subjacente’ (por exemplo um crédito hipotecário, a compra de mercadorias a futuro, um título de um fundo de investimento, a partir do qual ‘derivam’ toda uma cadeia de operações com rendimentos mais ou menos relacionados com a primeira operação.
[3] A única forma que de fato valoriza o capital é a mais valia extraída.
[4] ITURBE, Alejandro. O Sistema Financeiro e a Crise da Economia Mundial. Editora Sundermann, p.46.
[5] Neste sentido as informações prestadas por Ivan Valente, integrante da CPI da Dívida Pública (Deputado Federal pelo PSOL), na Folha de São Paulo do dia 09/07/10, página A3.
[6] Especulação financeira consistente em uma aposta acerca do futuro econômico do país.
[7] Como são chamadas pelos economicistas técnicos as crises irreversíveis do impulsionador capital especulativo.

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