A relatividade do bem de família

Nenhuma garantia legal é absoluta. E com razão. A justiça é algo maior do que a própria legislação positiva.

A residência onde mora o ex-sócio de uma empresa em São Paulo, avaliada em cerca de R$ 1,5 milhão, foi penhorada pela Justiça do Trabalho para o pagamento de uma dívida. Para a 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de São Paulo, a impenhorabilidade do bem de família, garantida por lei, não pode conduzir ao que os magistrados chamaram de "absurdo", ao permitir que o devedor mantenha o direito de residir em imóvel considerado "suntuoso" e de "elevado valor". Com a venda do bem, segundo a decisão, seria possível pagar a dívida estimada em R$ 200 mil e ainda permitir que o devedor adquira uma nova "digna e confortável" moradia.

Esse não é o primeiro caso da Justiça do Trabalho no qual os juízes atenuam a regra da impenhorabilidade absoluta do bem de família, prevista na Lei nº 8.009, de 1990. A norma estabelece que o imóvel onde a família reside, além dos demais bens que a compõem - como geladeira, fogão, entre outros - não podem ser vendidos para quitar débitos do proprietário. Antes mesmo da existência dessa lei, o Código de Processo Civil (CPC), de 1973, já tratava do tema. No entanto, há outras decisões, pelo menos nos TRTs de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul, que penhoraram residências de família consideradas luxuosas, diante da inexistência de qualquer outro bem que pudesse satisfazer a dívida. O Tribunal Superior do Trabalho (TST), no entanto, ao que se tem notícia, não tem ainda nenhum caso em que tenha aceitado essa flexibilização.

A 5ª Turma do TRT de Minas Gerais, por exemplo, determinou a redução pela metade do terreno onde está construída a casa de um empresário com dívidas trabalhistas. O terreno possui 1.384 metros quadrados. Os desembargadores entenderam que o desmembramento não desrespeita a proteção legal ao bem de família, pois o sócio permanecerá com a propriedade da parte do terreno onde está sua residência.

A venda de vagas em garagem do imóvel do devedor também podem ser usadas para finalizar a execução, desde que elas possuam registro imobiliário distinto da propriedade. O entendimento foi recentemente aplicado pelo desembargador Davi Furtado Meirelles, no TRT de São Paulo, ao citar decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que também permitiu esse tipo de penhora.

O relator da penhora da residência suntuosa em São Paulo, desembargador Davi Furtado Meirelles, afirmou em seu voto não poder sustentar que a execução do crédito trabalhista chegue a excluir a proteção do bem de família. "O que entendo é que a interpretação da regra que assegura essa proteção não pode conduzir ao absurdo de se concluir que o devedor tem direito de proporcionar a si e a sua família uma residência luxuosa, enquanto que seu credor pode, eventualmente, não ter sequer um teto miserável para abrigar a si e aos seus". Esse entendimento, foi seguido pelos demais magistrados da Corte paulista.

Decisões acertadas, a meu ver. Não devemos presigiar a letra fria da lei, eis que sua aplicação dogmática pode refletir verdadeiras injustiças. Há de se prestigiar a dialética dos operadores do direito.

Nenhum comentário:

Postar um comentário