Esboçado embrionariamente na Alemanha do ano de 1900 , encorpado na escola de Frankfurt e deflagrado na Itália dos anos 60, este movimento difundiu-se na Espanha e rapidamente chegou à América Latina. No Brasil notadamente por magistrados gaúchos, a vanguarda da dialética, desde sempre os mais progressistas entre os integrantes de toda a casta julgadora tupiniquim.
Na essência, constitui um verdadeiro instrumento de mudança social, de promoção e libertação humana , que rompe com o modelo liberal-positivista que estrutura o direito burguês e conserva o estratagema de dominação das classes menos abastadas na sociedade capitalista, através do controle, repressão e manutenção do status quo, ‘buscando novos paradigmas para a ciência e para a práxis jurídica, a partir de uma compreensão dialética do fenômeno jurídico que anuncia um novo modelo de sociedade, muito provavelmente de tipo socialista’ .
Nas palavras de Benedito Calheiros Bonfim:
“O direito alternativo nada tem de radical, de revolucionário. Na realidade, sua destinação é o rejuvenescimento, a revitalização do direito positivo, já envelhecido, engessado, por ter se atrasado em relação aos fatos, se distanciado da realidade ”.
Contrapõe-se, como visto, ao direito positivo, exsurgindo como uma nova sistemática, tanto hermenêutica como principiológica, de manejo do sistema jurídico e do próprio Direito.
Pois bem, é cediço que determinados e seletos grupos sociais ou blocos econômicos, mormente os detentores de grandes capitais, possuem prerrogativas na aplicação e principalmente na elaboração da lei, tornando a realidade factual diversa da previsão principiológica mais democrática e igualitária que o Estado, a Constituição ou qualquer um possa imaginar ou almejar.
Prova disso está na fácil percepção de leis, muitas em vigor e algumas revogadas, que possuem origem evidentemente política, atendendo os específicos interesses destas castas sociais distintas e peculiares.
Contrapondo-se à atual e reacionária sistemática de manutenção do status quo, o direito alternativo possui como premissa o esgotamento do paradigma positivo-normativista da ciência jurídica, expondo as contradições da atual sociedade e do atual sistema produtor de mercadorias, buscando outro referencial teórico e prático para o direito, mais flexível e pluralista, comprometido com a transformação – e não a mera conservação – da realidade social, especialmente quando esta última apresenta níveis insustentáveis de exclusão e injustiça.
Pois bem, trata-se de uma filosofia reflexiva, axiológica, que entende o direito como instrumento de libertação – assim como a escola de Frankfurt sempre sustentou o uso da razão como instrumento de libertação do homem – em oposição a todas as formas de opressão geradas no seio da sociedade capitalista, rejeitando de forma rigorosa o inoficioso mito da neutralidade da lei e do direito.
E não era pra menos, eis que a aplicação dogmática da lei, de maneira supostamente imparcial e eqüidistante dos conflitos sociais, nada mais é do que uma torpe e institucionalizada reprodução dos interesses da classe dominante, previamente consolidados na norma jurídica.
Afinal, as instâncias oficiais do Estado são importantes espaços para a luta de classes, e o direito positivo está a serviço da classe atualmente dominante, servindo o Poder Judiciário como autêntico aparelho ideológico do Estado, comprometido com a manutenção do status quo, institucionalizando a repressão e o controle social, ao invés de servir a libertação humana e a promoção social, através da razão crítica e racionalidade material dos julgadores, à serviço, sobretudo, da dignidade da pessoa humana .
Teorias não faltam para explicar o fenômeno do direito alternativo. Mas, enfim, na prática, como ele atua?
Listo três fronts de batalha:
A primeira, com a implementação do denominado positivismo de combate, que nada mais é do que a exata luta, dentro do aparato oficial do Estado (Juízos, Tribunais, repartições administrativas, etc.) pela efetivação das normas que expressam de modo autêntico os interesses populares. Assim, pelo positivismo de combate trava-se uma batalha pelo cumprimento das leis de interesse das classes subalternizadas, as quais, na maioria das vezes, permanecem apenas no plano retórico do ordenamento jurídico.
Em segundo lugar, temos a estratégica conhecida como uso alternativo do direito, que propõe a adoção de um processo hermenêutico em que a interpretação e aplicação de leis e normas devem ser efetuadas sempre no sentido da realização da justiça social, privilegiando os direitos e interesses das classes populares, da classe trabalhadora, das classes marginalizadas, enfim, das classes excluídas do processo jurídico de elaboração de leis e de fruição dos direitos básicos de cidadania. Vale dizer, trata-se de uma hermenêutica comprometida com a inclusão social, em que o operador do direito, diante das contradições do sistema jurídico, opta sempre pelo sentido da lei que mais atende aos fins sociais, ao bem comum e aos legítimos interesses da maioria .
Por derradeiro, temos o fenômeno chamado pluralismo jurídico, que prestigia e reconhece a existência de manifestações jurídicas à margem da ordem vigente, especialmente no seio de grupos e movimentos sociais, em luta pela inclusão e pela transformação de relações socialmente injustas. É um fenômeno que compreende como legítimas as relações jurídicas criadas por agrupamentos marginalizados, no plano da luta social direta por direitos e democracia. Luta que normalmente é travada à margem da ordem oficial, sugerindo que a lei não contém todo o direito e, às vezes, paradoxalmente, contém até mesmo um antidireito .
Em breve síntese, eis minha concepção de direito alternativo, um importante instrumento de luta pouco estudado e explorado pelos operadores do direito, notadamente aqueles que se reivindicam socialistas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário