Ainda sobre a reforma agrária

Penso que todos os que queiram trabalhar na terra devem possuir a oportunidade de o fazê-lo. Que possamos ter acesso a terra sem ficarmos à mercê do talante do mercado e da especulação financeira.

Mas, para isso, há de se fazer uma incisiva desconcentração da propriedade, através de uma verdadeira política de reforma agrária.

Nunca houve política de reforma agrária no Brasil. Nunca houve política de Estado neste sentido. Até a burguesia industrial da Europa já sofreu com a desconcentração forçada da terra.

Nós, não. Aqui as forças do Capital sempre foram preponderantes a ponto da classe dominante tupiniquim sempre ter a terra como reserva de valor. Grosso modo, é aplicar o capital excedente em terra. Essa é a mentalidade. Aplicar em terra o capital excedente.

Aliás, até o capital especulativo – que hoje domina a economia – vai à terra para se proteger. Exemplo: Banco Oportunity, uma instituição que administra fundos de investimentos americanos, dinheiro especulativo que anda por ai. Pois bem, só essa empresa, ao que se sabe, em três anos, comprou 600 mil hectares de terra no sul do país.

No estratagema de dominação do Capital, a terra serve como proteção do patrimônio. Ainda mais em tempos de crise financeira. Pessoas físicas, jurídicas, instituições financeiras, de direito público ou privado, nacional ou não, e até o próprio capital especulativo, todos buscando na terra proteção ao patrimônio.

O que existe no Brasil são leis pontuais que, diante de um conflito fundiário, pode fazer desapropriar certo pedaço de terra para que ele se destine a assentar famílias sem terra. Uma política de assentamento, mas não de reforma agrária.

A reforma agrária, por seu turno, surge quando há um clima político suficiente para que o governo, em nome da sociedade, democratize a propriedade da terra. Isso significa não só o que a lei já faz, mas também impor limites para a propriedade da terra, o que implica em desapropriar de fato as grandes propriedades.
Impor limite para a propriedade da terra, e não só desapropriar quando há conflito fundiário.

Nota-se que é uma bandeira acima de tudo democrática, dentro do próprio padrão republicano. Concentração de terra pressupõe concentração de riqueza, que é sinônimo de desigualdade, que por sua vez é algo flagrantemente antidemocrático.

Essa mentalidade de ter na terra a proteção do patrimônio causa hecatombes malefícios.

A começar por uma desigualdade social gigantesca. Basta ver as classes sociais brasileiras do campo, censo de 2006:

1- Grandes proprietários de terra (15 mil fazendeiros com áreas maiores que dois mil hectares);
2- Fazendeiros da base social do agronegócio (aqueles que produzem commodities para o mercado; 300 mil, proprietários de áreas de duzentos a dois mil hectares);
3- Famílias que vivem da agricultura familiar (quatro milhões de famílias, cerca de 1 milhão em estado de pobreza);
4- Famílias sem terra (quatro milhões de posseiros, arrendatários, assalariados, etc.);
5- Assalariados (um milhão e meio de pessoas, alguns assalariados temporários – cortadores de cana, etc.);

Veja que a democratização da terra vai privilegiar cerca de dez milhões de pessoas, sem considerar o contingente de famílias originalmente do campo que hoje estão nos grandes centros, subempregadas.

Outro malefício é o modelo econômico de produção, hoje chamado de agronegócio, que esta concentração fundiária promove: latifúndios de monocultura (cana, soja, milho, algodão). Flagrantemente insustentável ao longo prazo, eis que causa ele uma mecanização intensiva, o que faz expulsar a mão de obra do campo, abusa intensivamente de agrotóxicos, degradando o ambiente, e outros sortilégios, sobres os quais já falei em ensaio anterior.

Por enquanto vou manter apenas esses exemplos, para não tornar o artigo demasiado longo.
Mas, porque será que no Brasil nunca houve verdadeira reforma agrária, ao contrário de todas as outras grandes potências?

Elementar.

O êxodo urbano é medida que privilegia a burguesia agrária, eis que expulsa famílias do campo, diminuindo conflitos fundiários e concentrando grandes propriedades de terra e riqueza, em latifúndios destinados exclusivamente para o agronegócio.

Por outro lado, a burguesia industrial beneficia-se com o inchaço dos centros urbanos, eis que o excesso de mão de obra, já chamado de exército industrial da reserva, faz precarizar as condições de trabalho. Simples como a teoria da oferta e da procura. Excesso de mão de obra e escassez de postos de trabalho significa uma maximização da exploração do trabalho, ainda mais em tempos de crise financeira.

Há de se ter limite para a propriedade da terra.

http://www.limitedaterra.org.br/index.php

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