Sobre política, moral e Francis Bacon

       Francis Bacon, como revelam os livros de filosofia, desde menino fora educado para ingressar na carreira política e projetar-se nos cargos públicos. Pois assim a história se escreveu, conquistando ele os mais importantes postos do reino britânico.

Certa vez li – e não me lembro onde – uma frase de sua autoria mais ou menos assim: ‘é impossível compatibilizar política e moral’.

Uma afirmação que cairia em descrédito apenas por sua generalização, se não fosse a pessoa quem a proferiu, cuja educação desde tenra idade orientou-se para sua projeção à vida pública.

Ora, para alguém como Francis Bacon – repita-se, que foi orientado desde criança a ser agente político – sentenciar algo desta natureza e profundidade é porque algum fundo de verdade, ainda que mínimo, existe.

Mas para entender como Bacon chegou a essa conclusão, há de se compreender seu método de interpretar a realidade: técnica chamada pelos estudiosos de método indutivo de investigação científica.

Em suma, para o filósofo, a descoberta de fatos verdadeiros não depende do raciocínio silogístico, como pensado por Aristóteles, mas sim da observação e da experimentação regulada pelo raciocínio indutivo, baseado na observação rigorosa dos fenômenos naturais, na organização dos dados recolhidos empiricamente, na formulação de explicações gerais (hipóteses) do fenômeno estudado e na formulação de experimentações que comprovem referidas hipóteses.

Aliás, essa foi a grande contribuição de Bacon para a história da ciência moderna: apresentar o conhecimento científico com o resultado de um método de investigação capaz de conciliar a observação dos fenômenos, a elaboração racional das prováveis teorias e a experimentação controlada para comprovar as conclusões obtidas.

Não que eu veja na filosofia baconiana uma verdade absoluta, pelo contrário, ela é falível, assim como o método aristotélico que a antecedeu. A disposição ordenada dos dados nas três etapas do raciocínio baconiano nem sempre levam à hipótese correta. O que quero dizer é que para Bacon concluir algo é porque no mínimo utilizou uma técnica racional para tanto, ainda que precária.

Política e moral são inconciliáveis, segundo o filósofo em comento. Que fique claro que também não estou aqui alçando esta locução à condição de dogma, pelo contrário, penso que é uma comparação um tanto quanto imprópria.

No campo da moral temos sempre a polaridade bem e mal, dois opostos incompatíveis. No campo político, penso que esses referenciais morais caem no maniqueísmo, de modo que aquilo que me é semelhante é bom e tudo que me é diferente é mau.

Disse Maquiavel que fazer política não é necessariamente fazer o bem. E o mal necessariamente não seria imoral.

Desta feita, cotejar política e moral afigura-se ininteligível, porquanto não são fatores que se excluem, como reflexionou Bacon, mas se completam e confundem-se.

Entretanto, à vista dos últimos acontecimentos nos Ministérios dos Transportes, da Agricultura, das Cidades, do Desenvolvimento Agrário, Minas e Energia e, agora, Turismo[1], e se entendermos política e moral como dois fatores que se excluem, a afirmação de Bacon chega próxima à verdade, ainda mais se considerarmos seu método de percepção da realidade, mormente a observação dos fenômenos e a elaboração racional das prováveis teorias.

Faltaria apenas a experimentação controlada, mas receio que qualquer experiência neste sentido no âmbito do Poder Executivo poderia levar à lastimosa conclusão de que o ser humano é corruptível por natureza, ou que o poder político é fator único e suficiente para a existência da corrupção.

Mas prefiro pensar que Bacon e seu método estão errados, e o que vemos hoje na explanada dos ministérios em Brasília é a mais pura exceção.



[1] No Ministério dos Transportes é apontado um suposto esquema de propinas que beneficiava o Partido da República (PR), da base do governo. Este escândalo já derrubou o próprio ministro e atual senador Alfredo Nascimento (PR) e cerca de 20 funcionários do Ministério.

No Ministério da Agricultura são denúncias de “cabide de emprego” na Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) de políticos ligados ao PMDB e desvio de dinheiro público.

No Ministério das Cidades as denúncias apontam que o ministro Mário Negromonte (PP) favorecia empreiteiras que contribuíam com as campanhas eleitorais de seu partido. O Ministério liberou obras irregulares proibidas pelo próprio Tribunal de Contas da União.

No Ministério de Minas e Energia, cujo ministro também é indicado pelo PMDB, as denúncias atingem a Agência Nacional do Petróleo (ANP), dirigida pelo ex-deputado Haroldo Lima (PCdoB). Gravações mostram assessores ligados a ANP cobrando propinas de clientes que chegam à monta de R$ 40 mil reais, para "liberação" de processos e pedidos. Segundo a denúncia, este dinheiro seria desviado para o PCdoB.

No Ministério do Desenvolvimento Agrário, as denúncias apontam para venda de lotes que deveriam ser destinados a famílias beneficiadas por programas de Reforma Agrária. Outra denúncia aponta para o desmatamento realizado por madeireiras em áreas destinadas a Reforma Agrária, no Norte do país. Estas denúncias podem atingir ainda o Ministério do Meio Ambiente.

Um comentário:

  1. Um político afirmando que moral e política não combinam- genial!

    Mas acho que essa fala sobre política é despolitizada.

    A política é imoral, ou amoral, se se trata da falsa política, da política dos intereses escusos, mesquinhos, rebaixados. Mas política não se resume a isso.

    Partilho portanto do otimismo do autor do post.

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